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Como toda a gente sabe, o mundo divide-se em duas partes... mais uma: crianças, adultos e aquela idade, entre os 10 e os 30, em que não se é uma coisa nem outra. Denominados “os jovens” por alguns sectores da sociedade, esta raça caracteriza-se pela sua incrível instabilidade emocional, pela sua personalidade muito pouco marcada, pela sua parca visão do futuro e pela sua vincada tendência de contrariar os adultos e afugentar as crianças.
Dos passos que uma criança dá até se tornar adulta, três são invariavelmente fulcrais: ter uma relação que dure mais de uma semana; ter uma casa própria; ter filhos.
Primeiro, porque só quando se consegue manter uma relação duradoura é que se valoriza o quão difícil essa tarefa é. Só assim se consegue perceber a necessidade que o ser humano tem de não estar sozinho, de poder partilhar a sua vida com alguém, de abdicar de certos privilégios por um bem comum e de exigir que a outra pessoa faça o mesmo. Aí decidirá se, para si, é realmente importante partilhar a sua vida com alguém de quem gosta, se consegue suportar alguém que não gosta, se pode apenas viver à custa dos outros, se gosta que os outros vivam à sua custa ou, simplesmente, se prefere ir saltitando de relação em relação sem nunca sentir que um dos maiores prazeres de uma vida é foder sem pensar se a pessoa está infectada com HIV, se a pessoa realmente gostou, se a pessoa deu valor àquele momento, se a pessoa irá voltar, se a pessoa fez por gosto ou por maldade, se a pessoa foi boa ou má na cama, se a pessoa nos fez feliz ou se, simplesmente, nos fez sentir ainda mais miseráveis.
Segundo, porque ter uma casa própria implica a primeira preocupação real com o dinheiro, esse doce que os paizinhos estão sempre dispostos a dar aos filhos com um sorriso amarelo porque lhes custa mais a ganhar do que custa aos filhos a gastar. Ter uma despesa fixa ao fim do mês, ter de pagar para comer todos os dias, ter de ter o essencial para nos sentirmos confortáveis na nossa casa, são algumas das questões que nos fazem valorizar o esforço de trabalhar e ganhar dinheiro, dinheiro que é nosso e que, quando é nosso, nos é tão difícil dar aos outros, principalmente a filhos que ainda não temos e que irão gastá-lo em dvd’s do noddy, em brinquedos que arrumam no armário ou em coisas de maior importância, como jogos de computador que não gostam de jogar connosco, bilhetes de concertos que não gostam de ir connosco, ou em tabaco e álcool em saídas à noite que nós já não temos capacidade de ir com eles. O dinheiro, essa vil matéria, não nasce, infelizmente, das árvores a não ser para quem vive da agricultura. E para o ganharmos, não basta apenas tirar um curso e entrar no mercado de trabalho todos contentes. Tirar um curso não é fácil e custa dinheiro. Entrar no mercado de trabalho não é mesmo nada fácil porque existem milhares de pessoas, jovens e ex-jovens, a querer o mesmo que nós. E mesmo quando finalmente conseguimos arranjar um emprego, temos de aturar chefes, colegas, empregados, clientes e todos os outros parasitas que nos querem passar por cima, que não nos respeitam, que não nos dão valor, que não nos aumentam o ordenado quando precisamos e que, muitas vezes, nem sequer sabem quem nós somos. Logo aí, vai-se muita da nossa auto-estima e da nossa irreverência, ou seja, a essência da nossa juventude. Sim, muitas vezes temos de trabalhar para aquecer, só porque precisamos do ordenado ao fim do mês, vivamos sozinhos ou em grupo. Nesta situação, podemos sempre voltar a ser meninos(as) da mamã, pedir dinheiro emprestado, ser sacanas, arranjar maneira de ter dinheiro da maneira mais fácil, roubar até, matar até, chupar umas pilas até. Quando estamos fechados numa escola, em que somos conhecidos, em que dominamos tudo até os professores (porque somos sempre 30 contra 1 na sala de aula), em que estamos protegidos das pessoas más, dos adultos, daquelas pessoas cinzentas que apenas sabem trabalhar, não pensamos no amanhã, no dia em que seremos como elas, preocupados com mais coisas do que apenas com o som da campainha que toca para a saída, com o jogo de futebol, com as roupas das amigas, com a miúda mais gira da escola ou com o rapaz que engata todas a miúdas por fazer surf aos domingos de manhã e ter um sotaque da beira alta. É certo que o mundo do trabalho não consiste apenas em coisas más, também há empregos porreiros, em que não se faz nada e ganha-se muito, mas quantas pessoas ganham a lotaria? No meu entendimento, a vida de um jovem deve ser como a política de intervenção ambiental: actuar hoje para o mundo não acabar nos próximos dez anos. E a casa onde vivemos é sempre o nosso mundo. Sempre.
Por fim, o acto de ter um filho é o mais importante da nossa vida. Diga-se o que se disser, minimize-se o que se quiser, mas ter um filho é a nossa maior responsabilidade. E é aqui que a vida se volta contra nós. Tudo o que fizemos enquanto filhos vai-se reflectir naquilo que vamos fazer ao nosso filho. As teorias são muitas. Podemos ser bons pais apesar de termos sido maus filhos. Podemos ser maus pais apesar de termos sido bons filhos. Podemos ser maus pais e ter uns filhos que não se revêem em nós. Podemos ser bons pais e acontecer o mesmo. Podemos ser tudo e nossos filhos não serem nada. Ou vice-versa. E aqui questionamos o quanto deve ter sido difícil para os nossos pais aturarem as várias fases do nosso crescimento. A sina de ser pai é testar o quanto conseguimos engolir o nosso próprio orgulho e ser altruístas até para pessoas que nos subestimam, que nos maltratam, que nos gozam, que nos desprezam e que nos temem. Afinal, não foi isto que sentimos também quando fomos filhos?
Talvez não seja importante um adolescente pensar nestas questões enquanto “aproveita a vida”, enquanto “faz hoje o que não vai poder fazer amanhã”, e se calhar nem deve, mas acredito que seríamos melhores pessoas se, no mínimo, não dificultássemos a vida aos outros. O segredo (chiu, venham cá...) é que podemos fazer tudo o que quisermos ao longo de toda a nossa vida. Bebedeiras, saídas à noite, festas, sexo, tudo pode ser feito dos 8 aos 80. Só há uma coisa que muda ao longo de todos estes anos e que é a principal frustração dos jovens quando nos transformamos em adultos: não é o peso da idade que nos faz pensar na vida, é a consciência dos nossos actos.
Dedicado à minha irmã.