terça-feira, setembro 25, 2007

Degenerações


Como toda a gente sabe, o mundo divide-se em duas partes... mais uma: crianças, adultos e aquela idade, entre os 10 e os 30, em que não se é uma coisa nem outra. Denominados “os jovens” por alguns sectores da sociedade, esta raça caracteriza-se pela sua incrível instabilidade emocional, pela sua personalidade muito pouco marcada, pela sua parca visão do futuro e pela sua vincada tendência de contrariar os adultos e afugentar as crianças.
Dos passos que uma criança dá até se tornar adulta, três são invariavelmente fulcrais: ter uma relação que dure mais de uma semana; ter uma casa própria; ter filhos.
Primeiro, porque só quando se consegue manter uma relação duradoura é que se valoriza o quão difícil essa tarefa é. Só assim se consegue perceber a necessidade que o ser humano tem de não estar sozinho, de poder partilhar a sua vida com alguém, de abdicar de certos privilégios por um bem comum e de exigir que a outra pessoa faça o mesmo. Aí decidirá se, para si, é realmente importante partilhar a sua vida com alguém de quem gosta, se consegue suportar alguém que não gosta, se pode apenas viver à custa dos outros, se gosta que os outros vivam à sua custa ou, simplesmente, se prefere ir saltitando de relação em relação sem nunca sentir que um dos maiores prazeres de uma vida é foder sem pensar se a pessoa está infectada com HIV, se a pessoa realmente gostou, se a pessoa deu valor àquele momento, se a pessoa irá voltar, se a pessoa fez por gosto ou por maldade, se a pessoa foi boa ou má na cama, se a pessoa nos fez feliz ou se, simplesmente, nos fez sentir ainda mais miseráveis.
Segundo, porque ter uma casa própria implica a primeira preocupação real com o dinheiro, esse doce que os paizinhos estão sempre dispostos a dar aos filhos com um sorriso amarelo porque lhes custa mais a ganhar do que custa aos filhos a gastar. Ter uma despesa fixa ao fim do mês, ter de pagar para comer todos os dias, ter de ter o essencial para nos sentirmos confortáveis na nossa casa, são algumas das questões que nos fazem valorizar o esforço de trabalhar e ganhar dinheiro, dinheiro que é nosso e que, quando é nosso, nos é tão difícil dar aos outros, principalmente a filhos que ainda não temos e que irão gastá-lo em dvd’s do noddy, em brinquedos que arrumam no armário ou em coisas de maior importância, como jogos de computador que não gostam de jogar connosco, bilhetes de concertos que não gostam de ir connosco, ou em tabaco e álcool em saídas à noite que nós já não temos capacidade de ir com eles. O dinheiro, essa vil matéria, não nasce, infelizmente, das árvores a não ser para quem vive da agricultura. E para o ganharmos, não basta apenas tirar um curso e entrar no mercado de trabalho todos contentes. Tirar um curso não é fácil e custa dinheiro. Entrar no mercado de trabalho não é mesmo nada fácil porque existem milhares de pessoas, jovens e ex-jovens, a querer o mesmo que nós. E mesmo quando finalmente conseguimos arranjar um emprego, temos de aturar chefes, colegas, empregados, clientes e todos os outros parasitas que nos querem passar por cima, que não nos respeitam, que não nos dão valor, que não nos aumentam o ordenado quando precisamos e que, muitas vezes, nem sequer sabem quem nós somos. Logo aí, vai-se muita da nossa auto-estima e da nossa irreverência, ou seja, a essência da nossa juventude. Sim, muitas vezes temos de trabalhar para aquecer, só porque precisamos do ordenado ao fim do mês, vivamos sozinhos ou em grupo. Nesta situação, podemos sempre voltar a ser meninos(as) da mamã, pedir dinheiro emprestado, ser sacanas, arranjar maneira de ter dinheiro da maneira mais fácil, roubar até, matar até, chupar umas pilas até. Quando estamos fechados numa escola, em que somos conhecidos, em que dominamos tudo até os professores (porque somos sempre 30 contra 1 na sala de aula), em que estamos protegidos das pessoas más, dos adultos, daquelas pessoas cinzentas que apenas sabem trabalhar, não pensamos no amanhã, no dia em que seremos como elas, preocupados com mais coisas do que apenas com o som da campainha que toca para a saída, com o jogo de futebol, com as roupas das amigas, com a miúda mais gira da escola ou com o rapaz que engata todas a miúdas por fazer surf aos domingos de manhã e ter um sotaque da beira alta. É certo que o mundo do trabalho não consiste apenas em coisas más, também há empregos porreiros, em que não se faz nada e ganha-se muito, mas quantas pessoas ganham a lotaria? No meu entendimento, a vida de um jovem deve ser como a política de intervenção ambiental: actuar hoje para o mundo não acabar nos próximos dez anos. E a casa onde vivemos é sempre o nosso mundo. Sempre.
Por fim, o acto de ter um filho é o mais importante da nossa vida. Diga-se o que se disser, minimize-se o que se quiser, mas ter um filho é a nossa maior responsabilidade. E é aqui que a vida se volta contra nós. Tudo o que fizemos enquanto filhos vai-se reflectir naquilo que vamos fazer ao nosso filho. As teorias são muitas. Podemos ser bons pais apesar de termos sido maus filhos. Podemos ser maus pais apesar de termos sido bons filhos. Podemos ser maus pais e ter uns filhos que não se revêem em nós. Podemos ser bons pais e acontecer o mesmo. Podemos ser tudo e nossos filhos não serem nada. Ou vice-versa. E aqui questionamos o quanto deve ter sido difícil para os nossos pais aturarem as várias fases do nosso crescimento. A sina de ser pai é testar o quanto conseguimos engolir o nosso próprio orgulho e ser altruístas até para pessoas que nos subestimam, que nos maltratam, que nos gozam, que nos desprezam e que nos temem. Afinal, não foi isto que sentimos também quando fomos filhos?
Talvez não seja importante um adolescente pensar nestas questões enquanto “aproveita a vida”, enquanto “faz hoje o que não vai poder fazer amanhã”, e se calhar nem deve, mas acredito que seríamos melhores pessoas se, no mínimo, não dificultássemos a vida aos outros. O segredo (chiu, venham cá...) é que podemos fazer tudo o que quisermos ao longo de toda a nossa vida. Bebedeiras, saídas à noite, festas, sexo, tudo pode ser feito dos 8 aos 80. Só há uma coisa que muda ao longo de todos estes anos e que é a principal frustração dos jovens quando nos transformamos em adultos: não é o peso da idade que nos faz pensar na vida, é a consciência dos nossos actos.

Dedicado à minha irmã.

sexta-feira, setembro 21, 2007

Demência


Tenho uma tia demente. Mesmo com a doença. Demência. Que assustador dizê-lo. Mas o conceito é tão sedutor. Para mim, que nos meus anos dourados tive a ousadia de pertencer ao grupo fundador do movimento artístico Dementista, sempre me deslumbrei com a beleza libertadora, e até libertina, da loucura.
No manifesto que cheguei a escrever sobre Arte Dementista, glorificava o potencial criativo da espontaneidade, da mente livre, da ausência de restrições, do acaso, da prevalência do instinto, em suma, da demência auto-infligida. Rídiculo, não? Talvez, mas naquele momento parecia genial. E foi.
Sempre senti curiosidade, e até mesmo alguma proximidade, com aquelas pessoas que andam sem rumo pela rua, que falam sozinhas em frente a uma montra, que bradam com gestos imensos a todos os ventos, que vociferam contra o passado, que praguejam maldições aos transeuntes só porque estes parecem tão despreocupados, que dedicam poemas e canções às pedras da calçada, ou que sofrem como se a sua alma tivesse fugido e dado lugar à verborreia da consciência, sempre tão pesada. Pergunto-me sobre qual será a sua percepção, do mundo e de si mesmos? Será que se sentem num constante estado de alucinação? Será que vêem a realidade distorcida como os que snifam cocaína ou metem pastilhas prá carola? Tenho consciência que serão pessoas que bebem em grandes quantidades, mas a violência e a intensidade das suas palavras nem sempre tresandam a néctar. Porque aliás, nem sempre são mendigos, nem sempre são os esquecidos da sociedade. Muitos são pessoas de classe média, educadas, bem apresentadas, bem vestidas, com bijutarias e maquilhagem. São, pois, pessoas como a minha tia.
Apesar da situação em que ela se encontra não ser a mais favorável para que o seu estado não se torne um risco para os outros mas, sobretudo, para ela própria (viúva, vive com a filha num T1 em Coimbra, longe da irmã, dos sobrinhos e do resto da família), esta seria a oportunidade perfeita de poder saber até que ponto a demência transforma uma pessoa. Talvez um dia, num domingo à tarde, sentados no jardim de um lar cheio de espaço e pessoas simpáticas, eu possa ter oportunidade de saber o quanto a mente humana se diverte em ser um puzzle incompleto dentro de um enigma sem solução.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Em cima do acontecimento...



Lido na revista "Happy Woman" deste mês (artigo "Sexo de uma só noite"):

"É a era dos orgasmos sem compromisso" - sub-título do artigo (pág. 120)

"[o sexo casual] É uma auto-afirmação, e pode acontecer em qualquer idade, com homens e mulheres em qualquer estado civil" - afirma a sexologista Elsa Lebram no mesmo artigo (pág. 122)

"Os perigos mais comuns que espreitam o prazer sem compromisso [na perspectiva feminina]
- Apaixonar-se e não ser correspondida
- Vazio emocional
- Ressaca moral
- Auto-desvalorização"
(pág. 122)

"...é importante estar consciente de que o sexo sem compromisso deixa de ser saudável e passa a ser promíscuo quando há uma queda da auto-estima ou é causado por uma insatisfação pessoal" - sexologista Amaury Mendes (pág. 124)

"...as mulheres estão decididas, objectivas e a tomar a iniciativa não só na conquista como no sexo. Elas estão, dizem eles, a agir como homens." - testemunho de Mateus, 31 anos, casado, um filho (pág. 124)


Para reflectir...

Nota: De curioso interesse o artigo sobre motéis de luxo em Portugal (pág. 130)

segunda-feira, setembro 10, 2007

Relações


À medida que vou lendo o livro enunciado no post anterior, vão-me surgindo mais interrogações sobre a sexualidade masculina do que propriamente sobre a sexualidade feminina (dito em voz alta não soa tão gay...). Sendo assim, deixo-vos a seguinte dissertação:

Se há assunto esquadrinhado ao infinito, são as relações amorosas entre gatos e gatas de todos os sexos. Apesar de estarmos conscientes que nunca iremos chegar a uma conclusão definitiva, faz parte da nossa ambição enquanto seres amantes desconstruir impossibilidades e resolver questões que são tão díspares como os pêlos da nossa cauda.
Se cada história de sucesso ou insucesso de uma relação depende das particularidades de cada um de nós, como poderemos compreender/ajudar/criticar/justificar/aconselhar outros felinos ou felinas a resolver as intrincadas novelas das suas vidas? Não podemos. Cada um tem de saber lidar com as suas escolhas.
É aceite pela generalidade dos seres vivos que a vida, por ser só uma e por ter um tempo limitado (que, inclusivamente, pode ser reduzido devido a um qualquer acidente), não possui regras, apenas oferece opções. É impossível impor um sentimento, qualquer que ele seja, principalmente quando se trata de um sentimento tão forte como o amor ou, no caso dos machos, da tesão. Sim, porque, para os machos, o amor é uma tesão constante, assim como uma paixão é uma tesão intensa (mas que, por ser intensa, não se consegue manter por muito tempo), e assim como um caso esporádico é uma tesão momentânea (causada pelas mais variadas razões). Não conheço a versão feminina destas cláusulas, daí cingir-me à realidade do cromossoma Y.
Sendo a vida amorosa dos machos gerida por uma intermitência de tesões, que vão e vêm conforme as ocasiões, existem certos exemplos de comportamentos que são totalmente irracionais, descontrolados, ou até mesmo irresponsáveis, mas que são totalmente compreensíveis quando analisados de uma perspectiva contra-picada (de baixo para cima).
Quando inseridos num qualquer contexto, onde lhes é dado a escolher uma solução racional ou uma solução sexual, os machos revelam uma sequência de pensamento integralmente oposta ao das fêmeas: usam a chamada “psicologia ascendente”. Nesta configuração, o cérebro é a última etapa do seu raciocínio e não a primeira. Tudo começa na glande. E só se a opção (leia-se: o objecto de desejo) não for “glande” coisa é que se começam a queimar etapas até o cérebro concluir que não vale a pena foder a vida por uma foda inconsequente. E isto passa-se, independentemente de o macho estar no meio de uma relação amorosa ou não. Porquê? Porque o amor, quando está presente, está sempre presente, o corpo e a mente já o aceitaram, mas o desejo está desprendido, e se não for inteligentemente direccionado para o ser amado, é proliferado para outros receptores mais... receptivos. Entenda-se: não se trata de maldade, sacanice, filha da putice, nem sequer desinteresse pela causa amorosa. Isto é a essência de tudo o que é naturalmente testosterónico. Isto é o âmago do desespero masculino em relação à sua vida. É a partir deste núcleo que todos os machos têm de partir para atingir o nível de complexidade sentimental/emocional que forma o núcleo do comportamento feminino (e que influencia tão dramaticamente as escolhas das mulheres como o desejo influencia as dos homens). Só alguns conseguem dominar a sua aptidão natural para relativizarem a importância de uma relação e sobreporem o desejo às emoções. Só alguns conseguem inverter a psicologia ascendente e raciocinar sobre o que é realmente importante, o que faz de uma relação duradoura uma dádiva, seja pelo desafio que representa, seja pelos benefícios que produz quando cuidada com zelo e dedicação (por exemplo: equilíbrio, complementaridade, aceitação, intimidade, valorização pessoal, etc.)
Concluindo, e por muito que pareça incongruente, a tesão é fundamental ao dia-a-dia masculino, é a tesão que o faz avançar, tecer objectivos, fazer escolhas, lutar por aquilo em que acredita, trabalhar, fazer exercício, cuidar da saúde, sobreviver nas situações mais difíceis e, principalmente, dedicar-se a alguém que ama. Porque amor não é paixão. O amor é tesão... pura e dura!

(nota final: todos os machos sabem que as fêmeas têm uma relação amor/ódio com a sua sexualidade. Não só pela condição social que tem as suas raízes nos conselhos das avozinhas (que, diga-se de passagem, também manipularam as mentes dos pequenos felinos: “Quantas namoradas tem o meu netinho? Quatro? Ena, tantas!”), mas também por, muitas vezes, não a aceitarem ou não a compreenderem como elemento natural do seu desenvolvimento enquanto felinas adultas. Esta é uma discrepância que algumas mulheres utilizam para mero proveito egocêntrico e que outras não sabem pôr em prática para seu próprio privilégio e prazer.)