quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Um momento...


Ultimamente tenho-me sentido melancólico. Os dias passam devagar. Poucos são os momentos de luminosidade. Parece que as nuvens cinzentas, o nevoeiro, a chuva, a noite que se põe cedo, tudo isto se prolonga para dentro de mim.
Até mesmo aquilo que me faz feliz tem tido o condão de me deprimir.
Digo isto porque hoje concluí que a vida, para ser minimamente estimulante, tem de ter eixos. E por eixos quero dizer pontos de viragem, momentos onde algo acontece e nos dá uma nova perspectiva daquilo que nos rodeia, do nosso mundo, de nós mesmos. Sinto que são estes eixos que nos definem enquanto pessoas e que quantos menos eixos, menos aprendemos, menos realizamos aquilo que fazemos, aquilo que nos fazem, aquilo que deixamos de fazer. Uma vida que siga o seu curso sem grandes pontos de viragem não é uma vida plena. Acredito que haja pessoas que vivem bem com isso, que se julgam mais felizes porque nada de extraordinário lhes acontece, porque tudo corre segundo a normalidade, mas eu preciso de check-points onde possa parar, ver, raciocinar e sentir.
Hoje pensei nos eixos minha vida.
Tive alguns ao longo da minha vida. Alguns que foram realmente importantes, outros aos quais dei a importância que eles na realidade não tiveram. E muitas vezes é isso que faço. Ficciono a minha realidade para que se torne mais extraordinária do que realmente é. Não porque a minha vida não seja interessante, mas porque não consigo deixar de desejar que fosse mais. Principalmente a nível profissional.
Hoje pensei no José Luís Peixoto. Um escritor quase da minha idade que escreveu o seu primeiro livro quando a sua vida rodou sobre o eixo da morte do seu pai. É óbvio que nem todos os escritores têm de passar por uma experiência do género para escreverem o seu primeiro livro, mas este é um caso que demonstra o que pretendo dizer. A carreira do José Luís Peixoto começou quando teve de escrever sobre um eixo trágico. O seu talento já seria certamente inato, mas foi esse acontecimento que o despoletou e que mudou a sua vida, dando-lhe um novo rumo e incentivando a mudança.
Obviamente que um eixo pode também ser positivo. Um novo amor, uma viagem, uma alteração da rotina, uma experiência inesperada, um evento... Muito escritores escrevem sobre algo que ainda procuram, que desejariam, sobre um futuro utópico, sobre um passado omnipotente ou sobre nada (a maior parte, escreve sobre nada), mas não é com esses que me identifico. Gosto de sentir quando escrevo, gosto de escrever sobre os sentimentos, sobre ser-se humano, sobre a vida, os desejos, as fantasias e tudo o que nos emociona.
Cada vez me interesso menos pelo futuro ou pelo passado. Vivo no cliché do presente e vivo a tentar torná-lo o mais magnífico possível. Não há nada mais deprimente do que acomodação, a conformidade... mas na maior parte das vezes falta-nos a coragem, principalmente quando já não vivemos a nossa vida apenas para nós próprios. É nesse sentido que a felicidade pode também contribuir para uma depressão ainda maior.
A minha mente vive uma vida diferente da minha. Na minha mente sou um inconsequente, promíscuo, intransigente, prepotente, curioso, libertino e vagabundo que ama o acaso, a descoberta, a inércia, a sedução, o sexo e os pequenos segredos que pairam nos recônditos cantos da mente humana.
E assim permaneço no submundo da minha consciência.

(no anúncio: “Now I've done everything.” Live the interesting life. Men's Journal.)

4 comentários:

None disse...

Não consegui evitar comentar este. Toma lá um cliché, ou não: "Quase todos os seres humanos possuem uma característica típica da esquizofrenia: fazerem continuamente as mesmas coisas e estar à espera de resultados diferentes (...) à espera de um milagre. Que nunca irá acontecer. Porque são loucas. Porque acreditam que irão mudar de vida sem mudar."
Beijos e queijos, para não mudar.

Estrelinha... disse...

Estou precisamente num eixo neste momento. Parece que estou de fora a olhar para a minha vida. E, mais uma vez, estamos em sintonia.
Adoro normalidades e rotinas e seus afins MAS "sair fora do eixo" é nos faz apreciar o que de facto temos. E não vemos. Ou então virar de vez a cabeça e olhar para o outro lado. Mudar. Mas mudar mesmo.
(Adoro quando escreves e odeio quando não o fazes.)*

Maria Arvore disse...

Queres um Match-Point?...;))

Os eixos negativos marcam-nos mais porque nos criam uma necessidade maior de fugir deles. Os positivos são mais como pantufas e confortavelmente deixamos-nos estar.

Mas sabes qual acredito ser o eixo fundamental?... Quando o presente que se viva seja o mesmo para a mente e para o corpo como um todo coerente. ;)

Anónimo disse...

Por momentos estive tentada a virar a página para continuar a ler o que escrevias...mas as palavram tinham-te esgotado.
A vida deve ser feita de eixos sem eles não vivemos, sobrevivemos.

Por vezes falta a coragem de viver e vamo-nos agarrando ao "mais do mesmo".

Agarra-te bem e dá mais uma volta e outra e outra... eu costumo dizer que só me arrependo do que não fiz, tudo o resto é para retirar o que de bom ou mau nos trás e aprender para fazer sempre melhor"

Bjs