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"Fale com a sua filha antes que a indústria o faça por si", slogan do filme Sob Pressão, a nova campanha da
Dove (obrigado,
Isabel).
Na minha versão seria: “Fale com a sua filha antes que ela se transforme em mais um estereótipo”.
Depois do relativo sucesso da anterior campanha “Mulheres Reais”, ficou-se a perceber que há uma coisa realmente difícil de comunicar ao público feminino: a realidade. Quanto mais fantasista for uma comunicação, seja ela sobre que produto for, mais sucesso tem junto das mulheres. Curiosamente, as vozes femininas só se têm levantado quando deparadas com as fantasias das menstruações dançantes e sorridentes dos anúncios a pensos higiénicos. Que quererão elas nesse caso? Imagens de sangue a jorrar ou de mulheres mal dispostas?... Acho que aí o problema se prende mais com o medo do ridículo, mas isso é outra questão.
No que diz respeito aos conceitos de beleza, cada vez mais se valoriza a lei do facilitismo e da fantasia. Cada vez mais se desvaloriza a mulher real e se tenta valorizar a mulher irreal, plástica e científica. E a primeira a desvalorizar essa realidade é a própria mulher. Com a facilidade de acesso à cirurgia estética, as mulheres estão a tornar-se em puros esteriótipos (mamas colossais, rabos empinados, peles repuxadas) e, ainda por cima, a partir de idades cada vez mais novas. Como se sentirão as mulheres de 60 anos ao verem uma mulher de 20, bonita e jovem, a rebentar as costuras com mamas de dimensões planetárias, rabo almofadado e lábios a rebentar de silicone? Será que uma mulher já com alguma experiência olha para as outras e pensa: “Coitadas, nem sabem dar valor ao que têm.”?... Pelo que se percebe da sociedade actual, nem sempre. Uma mulher com mais experiência, agora é mais normal pensar: “Eu também quero ter umas mamas daquelas!” Então vá de ir à faca transformar-se num Frankenstein, perdão, Lili Caneças.
E para os que defendem que a cirurgia estética é o mesmo que pôr maquilhagem ou pintar o cabelo, considero sinceramente que são coisas muito diferentes porque enquanto uma muda algo por completo, a outra apenas disfarça/realça algo que já lá está.
Até porque esta questão não se cinge apenas às mulheres. Esta atitude perante o corpo e perante a idade demonstra que as mulheres também têm uma visão cada vez mais estereotipada da forma como os homens as vêem. Será que, depois de sermos vistos como seres básicos que só gostam de desporto, bebedeiras, sexo e violência, também ficaremos conotados com os broncos mal amamentados que só gostam de mamas gigantes, bocas de broche e peles esticadas?... Mas a culpa também é nossa! Nós somos os principais consumidores das meninas de plástico, sejam elas em fotos, filmes ou ao vivo. Há que quebrar o ciclo vicioso!
Sem ser um revolucionário, há questões em que gosto de remar contra a maré. Dito isto, escrevo este “manifesto” para demosntrar aqui a minha aversão pública à plastificação da mulher. Sou a favor da mulher real, da mulher que sabe envelhecer com o seu corpo mas que mantém o espírito jovem (quantas jovens siliconizadas já são velhas de espírito...?), sou a favor das mamas grandes e pequenas, levantadas e descaídas, da pele lisa, com celulite, casca de laranja e casca de pêssego, dos lábios finos, médios e grossos, das loiras, das morena e das ruivas, das peles escuras, das claras, das mais ou menos, das com manchas e com borbulhas, dos dentes direitinhos e dos dentes tortos (adoro dentes tortos), dos olhos verdes, azuis, castanhos, pretos, cinzentos e de todas as outras cores, de cinturas delgadas, largas, rijas e fofas... resumindo: gosto da mulher em toda a sua complexidade, admiro a perfeição da imperfeição e acho que seria fundamental que as mulheres também soubessem valorizar-se enquanto pessoas e não enquanto estereótipos físicos de uma fantasia cultural e social que não se sabe até quando irá durar. E desde a infância. Isso sim, seria uma intervenção estética positiva.
No limite, se as mulheres seguirem o rumo de se tornaram todas iguais, aí sim, serão vistas apenas como meros objectos sexuais. Num futuro em que todas as mulheres têm mamas gigantes, rabos perfeitos e peles esticadas, não haverá escolha. Ou então a escolha será sobre aquela que consegue pôr mais silicone, aquela que tem a pele mais esticada ou sobre aquela que consegue fazer mais lipoaspirações.
E não me venham com questões ridículas, tipo “Então e as mulheres com obesidade mórbida, e as que tiveram cancro e ficaram sem uma mama, e as que têm varizes e as que têm uma perna mais curta do que a outra...?”. Obviamente que é para isso que o silicone, as bandas gástricas e afins existem: para melhorar a saúde, não para sustentar caprichos. E isto leva-nos de volta ao início deste “manifesto”. Muitas vezes, o aumento das mamas e todas as outras intervenções estéticas radicais devem-se a um único problema: falta de auto-estima. E é isso que a campanha da Dove tenta devolver às mulheres. A mensagem é: toda a gente é perfeita nas suas imperfeições. É isso que torna as pessoas únicas. Quantos homens amam incondicionalmente mulheres que muitos outros homens consideram feias? Quantas mulheres que parecem perfeitas têm pele adiposa, celulite, mau odor, etc? Porque a questão já nem se prende com a definição do que é belo, mas sim sobre o que é socialmente e industrialmente considerado belo. Com a plastificação feminina, as mulheres deixam de ser únicas entre si para passarem a ser imagens formatadas daquilo que uma mulher não é: apenas mais um corpo inchado.
Aquelas que, por se sentirem desconfortáveis com o seu corpo, frequentam ginásios, spas, cursos de massagens, fazem actividades desportivas, yôga, pilates, seguem os concelhos de nutricionistas, etc., essas sim, provam que dão valor ao seu bem-estar, sem recorrer ao facilitismo do bisturi. Essas sim, transmitem uma mensagem positiva aos mais novos. Essas sim, manifestam a beleza da sua natureza.