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Esta vai doer.
Durante vários anos preguei o evangelho de Sofia. Quando "The virgin suicides" transportaram para o grande ecrã grande parte das minhas reflexões de jovem parvo e sonhador, ainda por cima retratadas por uma jovem mulher, percebi que havia ali uma percepção extra-sensorial que lhe permitia ver o mundo de uma forma muito peculiar e que me atraia como para um abismo de emoções e sonhos. A delicadeza, subtileza e ligeira melancolia com que tratou esse tema fez-me respeitá-la como criadora e passei a ser fã.
Depois desse marco cinematográfico, lançou o bucólico e contemplador "Lost in translation" que nos levou numa viagem pelo estranho e sempre surpreende Japão, ao mesmo tempo que nos contava uma história simples de um encantamento de um homem triste-cómico com uma rapariga perdida no tempo, no espaço e em si mesma. Mais uma vez, a subtileza, as personagens, a beleza das imagens deu ao filme um significado maior de que apenas o de uma obra de cinema. A partir daqui, o evangelho propagava-se sem necessidade de enviar os Cruzados ou a Inquisição.
Seguiu-se o "Marie Antoinette". Eu percebi. A Sofia apaixonou-se pela personagem e quis ligar-se a ela como se fosse uma das suas amigas, mas em vez de a trazer para o nosso tempo, transportou-se ela própria até ao século XVIII e levou consigo músicas de algumas bandas do séc. XXI, o que causou um choque de estilos que, a meu ver, até resultou. Ainda assim, as músicas pareciam tentar compensar a falta de ritmo que o filme tinha. Interpretei na altura que a intenção era mostrar o quotidiano monótono e enfadonho de uma rainha jovem, presa aos protocolos da nobreza e à inocuidade física e emocional de um rei sem força na verga. E por mim tudo bem. Resisti à duração da película e gostei.
Mas algo aconteceu entretanto.
Já tentei saber se a Sofia andou enrolada com o Manoel de Oliveira, mas não encontrei nada. Depois de um caso falhado com o Tarantino (o que poderia ter resultado em algo bem interessante), acho que ela decidiu testar o vigor do centenário cineasta e, depois de ver que ele tem mais pedalada que ela, fez este "Somewhere". Nunca num filme vi tantas pessoas a dormir. E não me refiro à sala de cinema. Refiro-me à história. Agora que penso nisso, acho que este bem pode ser uma ode à narcolepsia. Mas mais do que ver alguém a dormir, vemos alguém a fazer as coisas mais banais, do princípio ao fim. Este filme, espremido, teria 5 minutos. E mesmo assim a história não valeria a pena. Não há ponta de interesse. Não há sequer um entendimento de porque é que se está a contar aquela história. E se das outras vezes fazia sentido ter uma mulher a realizar e a escrever aqueles filmes, desta vez fica sem se perceber se ela está a ridicularizar os homens ou se ela propria se está a tornar um homem, porque é tudo tão masculinizado que até chega a ser demais (nem acredito que vou dizer isto, mas... um exemplo: as duas sequências das gémeas a fazer dança de varão. Bastava uma cena para se perceber a ideia. Ao mostrar duas vezes, foi bom para os gajos no público, mas mau para o filme.) Nem a tão proclamada banda-sonora dos Phoenix deixou marca. Só apareceu quando surgiu a ficha técnica. Dammit!
Eu sei que o Francis, o pai da Sofia também não anda bem, depois do que fez com "Tetro" (outro filme muito bom... for me to poop on!). Não sei se andam a tentar fazer filmes de inspiração europeia, mas se estão, estão a ir aos gajos errados.
Agora a Sofia vai ter de me conquistar outra vez, porque depois deste "Nowhere", tornei-me novamente ateu.