segunda-feira, março 01, 2010
Utopias...
O problema das utopias é que a própria vida, a própria existência, é a derradeira Utopia. Passamos a vida a desejar coisas que não concretizamos, tal como passamos a vida a concretizar coisas que não desejamos. Quando finalmente concretizamos algo que desejamos, subitamente passamos a desejar algo que, por termos concretizado o desejo anterior, já não será possível de concretizar. E as utopias repetem-se em espiral, levando alguns ao desespero de nunca as conseguirem concretizar e outros à incessante busca de novas utopias, pois só isso os faz desejar continuar a viver.
Tal como a curiosidade é a derradeira paixão, a utopia é o derradeiro amor. Não só porque o amor é o paradigma utópico por excelência (indefinível e indecifrável), como porque o amor é o paradigma espiritual por inerência (infinito, imensurável, volátil, etéreo). É o sentimento absoluto criado pelo Homem, é a impossibilidade emocional tornada possível pela resolução humana.
Quando li pela primeira vez as aventuras do Corto Maltese já tinha conquistado algumas das minhas micro-utopias e não percebi porque raio um personagem épico, contemplativo, que vive no limiar do sonho e da fantasia, que se vê confrontado com mitos e lendas, não conseguiria ler um livro sobre utopias. "Merdas pseudo-filosóficas", pensei eu sobre Hugo Pratt. "Uma artimanha só para lhe atribuir uma pequena imperfeição metafórica que pouco ou nada interfere na sua história." Não voltei a ler esses livros, mas sempre que olho para as suas lombadas alinhadas na minha estante, lembro-me daquela página ali em acima.
O certo é que, quanto mais leio as histórias reais, quanto mais analiso as ideias e os ideais que me rodeiam, quanto mais me apercebo das incongruências mitológicas da modernidade e quanto mais olho para a minha própria natureza, mais creio nas utopias, mais certezas tenho que elas servem para nos salvar e mais percebo que a dificuldade do Corto não era ler o livro de Thomas Moore. Era sê-lo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Brilhante. Sem utopias.
Enviar um comentário