segunda-feira, março 21, 2011

A Sofia não copula...


Esta vai doer.
Durante vários anos preguei o evangelho de Sofia. Quando "The virgin suicides" transportaram para o grande ecrã grande parte das minhas reflexões de jovem parvo e sonhador, ainda por cima retratadas por uma jovem mulher, percebi que havia ali uma percepção extra-sensorial que lhe permitia ver o mundo de uma forma muito peculiar e que me atraia como para um abismo de emoções e sonhos. A delicadeza, subtileza e ligeira melancolia com que tratou esse tema fez-me respeitá-la como criadora e passei a ser fã.
Depois desse marco cinematográfico, lançou o bucólico e contemplador "Lost in translation" que nos levou numa viagem pelo estranho e sempre surpreende Japão, ao mesmo tempo que nos contava uma história simples de um encantamento de um homem triste-cómico com uma rapariga perdida no tempo, no espaço e em si mesma. Mais uma vez, a subtileza, as personagens, a beleza das imagens deu ao filme um significado maior de que apenas o de uma obra de cinema. A partir daqui, o evangelho propagava-se sem necessidade de enviar os Cruzados ou a Inquisição.
Seguiu-se o "Marie Antoinette". Eu percebi. A Sofia apaixonou-se pela personagem e quis ligar-se a ela como se fosse uma das suas amigas, mas em vez de a trazer para o nosso tempo, transportou-se ela própria até ao século XVIII e levou consigo músicas de algumas bandas do séc. XXI, o que causou um choque de estilos que, a meu ver, até resultou. Ainda assim, as músicas pareciam tentar compensar a falta de ritmo que o filme tinha. Interpretei na altura que a intenção era mostrar o quotidiano monótono e enfadonho de uma rainha jovem, presa aos protocolos da nobreza e à inocuidade física e emocional de um rei sem força na verga. E por mim tudo bem. Resisti à duração da película e gostei.
Mas algo aconteceu entretanto.
Já tentei saber se a Sofia andou enrolada com o Manoel de Oliveira, mas não encontrei nada. Depois de um caso falhado com o Tarantino (o que poderia ter resultado em algo bem interessante), acho que ela decidiu testar o vigor do centenário cineasta e, depois de ver que ele tem mais pedalada que ela, fez este "Somewhere". Nunca num filme vi tantas pessoas a dormir. E não me refiro à sala de cinema. Refiro-me à história. Agora que penso nisso, acho que este bem pode ser uma ode à narcolepsia. Mas mais do que ver alguém a dormir, vemos alguém a fazer as coisas mais banais, do princípio ao fim. Este filme, espremido, teria 5 minutos. E mesmo assim a história não valeria a pena. Não há ponta de interesse. Não há sequer um entendimento de porque é que se está a contar aquela história. E se das outras vezes fazia sentido ter uma mulher a realizar e a escrever aqueles filmes, desta vez fica sem se perceber se ela está a ridicularizar os homens ou se ela propria se está a tornar um homem, porque é tudo tão masculinizado que até chega a ser demais (nem acredito que vou dizer isto, mas... um exemplo: as duas sequências das gémeas a fazer dança de varão. Bastava uma cena para se perceber a ideia. Ao mostrar duas vezes, foi bom para os gajos no público, mas mau para o filme.) Nem a tão proclamada banda-sonora dos Phoenix deixou marca. Só apareceu quando surgiu a ficha técnica. Dammit!
Eu sei que o Francis, o pai da Sofia também não anda bem, depois do que fez com "Tetro" (outro filme muito bom... for me to poop on!). Não sei se andam a tentar fazer filmes de inspiração europeia, mas se estão, estão a ir aos gajos errados.
Agora a Sofia vai ter de me conquistar outra vez, porque depois deste "Nowhere", tornei-me novamente ateu.

8 comentários:

Jo disse...

"Virgin Suicides" 4ever!!! <3

Catarina Vieira disse...

Momentos de alienação, nos quais parece não haver guião definido? Acontecem-me, algures, e sem grande explicação. Quem me dera que metade deles tivesse a beleza daquele "cool" em patins sobre o gelo.

Um verdadeiro hino à letargia, é certo, mas a vida não se faz só de liturgia :)

El Felino disse...

Em cinema, esses momentos de letargia têm de ser doseados ou, pelos menos, justificados, senão, quanto a mim, não funcionam. Mas por isso é que o Manoel de Oliveira é uma referência no cinema mundial. Se todos fossem da minha opinião, ninguém via os filmes dele.
E até porque a Sofia mostrou que sabe usar a letargia nos seus filmes anteriores. Só acho que neste abusou. Achei genial a cena em que o actor adormece a ver as gémeas na sua performance (pensei: o tema deste filme é "o que é que estimula um homem que está habituado aos maiores prazeres da vida"), mas quando a cena se repetiu e não deu em nada, achei forçado e desnecessário. Assim como achei pouco relevante a entrada e saída da filha na vida dele. Percebi que a ideia era "foi a filha que lhe veio alterar o quotidiano", mas ela não trouxe nada de novo, a não ser o treino de patinagem, ao qual ele nem pareceu dar assim muita importância. E não foi ela que trouxe os novos acontecimentos. As coisas por acaso aconteceram quando ela estava com ele, mas podiam ter acontecido sem ela (a viagem, a entrega do prémio, etc). E a personagem do "irmão" também aparece e desaparece sem razão. Ou seja, o filme não nos diz nada. Mas a Sofia avisa logo nos primeiros três minutos. Este filme vai ser um gajo a andar às voltas num carro desportivo e que, quando acaba, fica apenas a olhar. Ou seja, o filme que podia explorar a ideia de um actor que tem uma vida monótona (quando toda a gente pensa que os actores têm grandes vidas), acaba por não criar empatia entre a personagem e o público, e ainda por cima mete aquele final a martelo que ninguém percebe, só ela. E depois há a história das mensagens anónimas. Somewhere 2?

Catarina Vieira disse...

Ó Rui, pronto, eu queria apenas deixar o meu modesto contributo, assim um bocado para o ar, como o filme, estás a ver?

Se senti o arrebatamento do VS, ou o encantamento do LIT? Não, mas nem todos os filmes vêm ao mundo para nos roubar à realidade "pelos colarinhos".
Algures este filme contou-me coisas. Coisas daquelas que não me apetece estar aqui a esventrar :)


Amerie 4ever!

Nicole Brito disse...

Gostei do filme. Gostei mais deste do que do Marie e do Virgens. Não sei se sei explicar por palavras o que é que faz sentido nestas duas horas de filme, mas secalhar a ideia da sofia é mesmo essa: não usar muitas palavra, deixar algumas emoções sem nome, tentar que o espectador se perca numa estrada/vida sem rumo (final do filme ??) ou numa pista em forma de circulo/a vida as voltas sobre o mesmo nucleo (inicio do filme .. )
A vida também se faz de caos. da não historia e da ausencia de sentido. Penso que não havia melhor forma de transmitir estes conceitos.
Isto para não falar da tão obvia solidão e nudez vivida pelo personagem (nao me lembro do nome). Its all in the details. As usual.
Boring? talvez. Mas não existem alturas da nossa vida em que se tirassemos todos os "extras" também estariamos meio perdidos? Eu, sem duvida.

Nicole Brito disse...

one more note: a cena repetida das gemeas: a questão da repetição, da procura de respostas novas em sitios velhos. Nao houve alguem que disse: Insanity: doing the same thing over and over again and expecting different results? A repetição, a fuga, a tentativa de preenchimento da solidão com prazer, o efemero, o fragil e acima de tudo a vulnerabilidade. Foram estas as mensagens que tirei dessa cena.

Catarina Vieira disse...

A modos que é isto.

El Felino disse...

And this is why I love the movies ;)