Muita gente se pergunta porque é que Portugal está em crise.
Muitos culpam os políticos, os políticos culpam-se entre si mas, neste momento
em que percebemos que os políticos são tão incompetentes que nem se sabem
governar a si próprios, a verdade é que a culpa... é nossa!
Primeiro, toda a gente sabe que somos um país de sacanas. A
arte do engenho, do desenrasca, que tão boa fama nos dá, é também a arte do
"faz-me aí um jeitinho, que não te custa nada", retirando-se assim o
valor do trabalho, o profissionalismo, a especialização, o mérito. As
profissões são hierarquizadas. E mais do que isso, como todos nos
desenrascamos, somos capazes de fazer tudo, possivelmente até uma operação
cirúrgica, se o paciente não precisar de ficar com as suas funcionalidades intactas. Por isso, se
nós conseguimos fazer, se parece fácil, não vamos pagar nada por isso ou,
então, pagamos pouco, reduzindo o valor de tudo.
Isto leva-nos áquilo que, para mim, foi o grande potenciador
da crise nacional. O problema da conversão. Quando entrámos para o Euro, a
moeda portuguesa era das que menos valia em relação à moeda única. Um Euro
valia 200 escudos. No entanto, internamente, o povo português auto-fodeu-se,
porque fez a conversão da seguinte forma: os ordenados foram convertidos à taxa
real (ou seja, por exemplo, 10.000$00 = 500€), enquanto os preços dos produtos
foram convertidos a uma taxa virtual de 1€=100$00, aproveitando a difícil
adaptabilidade dos mais velhos e o entusiasmo cego dos mais novos. Assim,
quando se comprava, por exemplo, uma caixa de pastilhas por 100$00, passou
automaticamente a comprar-se por 1€ (200$00), o que exponencialmente, na compra
de produtos de maior valor, provocou um impacto brutal nos orçamentos
familiares, que não viram os ordenados "insuflar" da mesma forma.
Assim, a culpa das famílias deixarem de ter dinheiro, deve-se a esta "taxa
de câmbio psicológica", que foi largamente aproveitada pelos próprios
portugueses em várias áreas de negócio e que lixou o mercado interno, leia-se,
os próprios portugueses. E foi isto que nos fez começar a viver acima das
nossas possibilidades. Sem nos apercebermos, ganhávamos o mesmo e gastávamos os
dobro, com os lucros a reverterem a favor das grandes empresas (principalmente as
de monopólio, como a PT, a EDP, a EPAL, os bancos, etc.) que, na maior parte
das vezes, investiam mais no estrangeiro do que em Portugal, já para não falar
daquelas que, mesmo tendo lucros brutais, continuavam a chupar na teta dos
subsídios comunitários.
Mas tudo isto tem como base uma crise de valores. O que é
nacional é bom e pode ser mesmo muito bom, mas não se acredita nisso. É preciso
tirar tudo a ferros. Nós continuamos a importar mais do que exportamos, porque
nós não acreditamos naquilo que estamos a vender. Portugal precisava de bons
comerciais, de lóbis, do caralho alado, algo que fizesse o país ser apetecível
a quem está lá fora, mas também a quem está cá dentro. Aprenda-se com o Zezé Camarinha. É um bimbo, é, mas ele sabe vender o que é português, incluindo o bigode e o sotaque à vela. O Zezé fala tão bem inglês como o Mourinho. Eles sabem que os detalhes não interessam, porque estão a fazer um favor em tentar falar estrangeiro. São portugueses, gostam de Portugal, têm orgulho nisso. E é isso que nos falta. Mas Portugal está cheio de snobs que gostam é de pronunciar os nomes estrangeiros com
minúcia. Vê-se em todo o lado, na cultura, no entretenimento, na rádio, na
televisão, no cinema, no que comemos, no que bebemos, etc. E quando se quer
combater isso, vai-se para o popularucho, para o vão de escada, para o
baratucho, porque isso é que vende. Perdemos tempo e dinheiro com merda. Com a
merda da Casa dos Segredos, com a merda do Toca a Dançar, com a merda da Maya e
das Júlias e das Fátimas e dos Gouchas. Não se educa, choca-se, porque a
população envelhecida só merece é merda. É isto que nos espera. Já não há
espaço para Julios Isídros com sentido cultural, para Zip Zips com sentido de
entretenimento junto do povo sem o tratar como atrasado mental, para teatro na
TV (sem ser as revistas e o La Féria), para coisas que tenham conteúdo e não
tenham a Teresa Guilherme.
É como o Benfica. Porque é que o Benfica não tem jogadores
portugueses? Porque é que a seleção nacional não consegue arranjar um bom avançado?
Porque é que os clubes portugueses preferem gastar dinheiro com jogadores
estrangeiros do que com os jovens portugueses, já que não ganham nenhuma
competição internacional à mesma? Porque é que não se fomenta uma cultura
nacional, seja em que área for? Só assim é que o dinheiro fica cá. Só assim é
que se pode crescer a partir de dentro para fora, só assim é que podemos ir
para a rua exigir alguma coisa, porque por muito que queiramos mandar governos
abaixo, os que para lá forem não têm outro remédio senão baixar as calças ao
banco central. Quando se pede dinheiro emprestado tem de se pagar. Faz parte da
honra, algo que também já se esqueceu. Eu pago sempre o que devo, e devíamos
pagar todos. O que não devíamos era mamar tanto na teta dos outros e depois
dizer para eles se foderem. Isso não se faz porque não gostaríamos que nos
fizessem isso a nós.
Só uma última questão. Quando se fala em desemprego, a
última coisa com que nos devemos preocupar é com o desemprego jovem, senhores
ministros. Os jovens têm como se amanhar. Vão para uma caixa de supermercado,
um call center, tiram mais um curso, pedem ajuda aos pais, vão à aventura para
outro país sozinhos ou acompanhados, resumindo, desemerdam-se, até porque
actualmente é muito fácil encontrar jovens que ficam em casa dos pais até aos
30 anos. O que nos devemos preocupar seriamente é com o desemprego sénior.
Porque esses sim, não se conseguem desemerdar. Esses sim têm contas para pagar,
filhos para criar, jovens para ajudar, avós para cuidar, famílias para
sustentar. Esses sim não têm tempo para se aventurarem, não têm capacidade para
levar a família para o estrangeiro, mudar de casa, pagar os empréstimos da casa
e do carro. Esses sim estão fodidos, e não são os jovens com ordenados de 500
euros que os vão ajudar. É preciso garantir o trabalho de quem sustenta, não de
quem é sustentado. Porque uma casa com mãe e pai desempregados, até podem ter
10 filhos, que não vai aguentar. E se a intenção é criar uma sociedade em que
os filhos sustentam os pais, bem podemos começar o borrar os pés todos.
Ainda assim, a crise até está a ter um efeito benéfico,
mesmo que ainda a um nível sub-reptício. Está a ensinar-nos a valorizar o que é
nosso, a perceber que ser patriótico, amar um país, a sua cultura, a sua
história, não é ser fascista, nem retrógrada, nem saudosista. As pessoas já
saem à rua na luta pelo seu futuro, os políticos já não são senhores
intocáveis, as empresas já não são blocos de cimentos opacos porque já se
percebeu que muitas delas fazem lucros à conta da desinformação e da
passividade dos clientes. Finalmente há luta. Lutemos, então.
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