quarta-feira, junho 01, 2011

Pinar...


O que é a dança? Depois de ver este filme, percebi que a dança é, acima de tudo, abandono. Abandono do corpo e da alma ao movimento, ao sentimento, ao espaço e ao tempo. Um abandono controlado por uma coreografia que quanto mais perfeita, mais invisível. A dança de Pina não está nela nem nos bailarinos, está entre eles. E esta é uma ilação minha, que pode ter tudo de errado. Confesso que nunca fui muito de danças. Não fui educado a apreciá-la nem a compreendê-la. A dança era apenas um catalizador da música, que eu só executava para fazer rir os amigos e pouco mais. Até há alguns anos atrás nunca tinha ido ver um espectáculo de dança, e aquele que vi entretanto misturava ginástica e baseava-se no filme do "Voando sobre um ninho de cucos". Por isso, seria impossível ter sentido o que senti ao ver as coreografias de Pina Bausch, não fosse ter ficado totalmente embevecido pelo programa "So you think you can dance". Sinal dos tempos, foi graças a este reality show (que na verdade é muito mais do que isso) que comecei a perceber o que é o mundo da dança, o que está embutido numa coreografia. O que provém do coreógrafo e até onde vai a intuição do bailarino. Foi aí que percebi a importância dos gestos, dos detalhes (algo que Pina descreve subliminarmente, quando fala na diferença que há entre andar com os olhos fechados mantendo as íris para a cima ou para baixo), daquilo que está para além dos passos contados, das marcas musicais, ou das pausas e dos silêncios. Mais do que isso, importa o que se sente, o estado de espírito, a personagem, a entrega. E é essa entrega que define Pina. Com pequenas palavras ela criou bailarinos. Criou, não através de moldagem, mas através de um despertar mental. E isso faz toda a diferença.
O filme é uma ode, uma homenagem a Pina Bausch, de uma beleza extraordinária. As danças fora do palco, em cenários naturais, como Pina gostava, dão-lhe uma dimensão de vida, que supera a mera arte. Mas essa nem foi a parte que mais me emocionou.
O que me tocou foi um conceito que, pelo que me foi dado a perceber, existia amiúde nas coreografias de Pina. O conceito do zelador. Em muitas coreografias, um dos bailarinos observa o outro, mas mais do que apenas observar, zela pelo outro. E isso é algo que me toca profundamente. E não é de agora (talvez seja mesmo matéria para psicólogo analizar...). A referência que me atacou desde logo a memória foi uma imagem idêntica que vi num espectáculo do Circo de Soleil, em que dois homens zelavam pela queda de duas equilibristas num baloiço. Seria muito difícil eles conseguirem salvá-las, caso alguma caísse, mas só o facto de estarem ali, dispostos a, quem sabe, levar com elas em cima e darem a sua vida por elas, marcou-me. Da mesma forma, em mais do que uma coreografia, Pina coloca alguém que zela pelo outro. Seja afastando obstáculos à medida que uma frágil jovem corre de olhos fechados, seja amparando quedas inusitadas, seja guiando percursos, seja agarrando alguém que se lança no ar. Pode não ser nada de novo nem nada grandioso, mas se há sempre uma razão, por mínima que seja, para gostarmos ou não de algo, esta foi a que me fez querer "pinar" vezes sem conta.
Pormenor curioso: a companhia de Pina é formada por bailarinos das mais diversas nacionalidades. Europeus, asiáticos, latinos, americanos. Nenhum português, apenas uma brasileira. As coreografias de Pina têm as mais diversas músicas, desde música étnica, a música moderna, passando pela ópera. Mas a última dança deste filme, uma pequena performance a solo executada por Pina Bausch, que acaba com um adeus, é dançada ao som de um fado de Coimbra. É curioso ver que cada música tem a sua função e a do fado, especialmente o de Coimbra, é mesmo a da indulgência da saudade.

1 comentário:

Catarina Vieira disse...

Já te disse que chorei durante grande parte do filme? Lágrimas, senhor! daquelas que destroem maquilhagens e temperam os lábios.

O amor à liberdade enquanto movimento e verdade é uma coisa tremendamente comovente.