
Na onda das questões complicadas, esta é uma questão mesmo muito fodida. Antes de mais, esclareço que não sou partidário nem do “Sim” (coitadinhas das “inúmeras” mulheres que fazem abortos por dá-cá-aquela-palha e vão parar à prisão, que fazem abortos clandestinos em sítios sujos, que dão rios de dinheiro a clínicas macabras), nem do “Não” (valha-nos Deus tocar no produto do fruto proibido, nem que seja para o salvar de uma vida de perpétuas carências e sofrimento que mais não são, afinal, do que o caminho para a salvação). Faço parte deste movimento. Acho, no entanto, que a questão não envolve apenas mulheres e fetos.
Como toda a gente sabe, o verdadeiro poder das mulheres é conseguirem persuadir os homens a fazer tudo mas não conseguirem obrigá-los a fazer nada. Nesse sentido, é impossível uma mulher obrigar um homem a amá-la, obrigá-lo a usar preservativo e, muito menos, obrigá-lo a assumir um filho. Quantos desaparecidos em combate deixam as mulheres grávidas e sem um tostão? Com a despenalização do aborto, a mulher fica com uma noção falsa de liberdade para decidir acerca do seu corpo. E porquê? Se bem que é verdade que a sociedade condena primeiro a mulher que aborta antes de condenar o homem irresponsável que concebeu o feto, também é verdade que a maior parte das mulheres que aborta não o faz de “livre” vontade. Quer seja por terem sido violentadas, por deficiência do feto, por dificuldades económicas ou simplesmente por ser um filho indesejado, o maior número dos casos prende-se com um motivo primordial: o namorado/amante/marido não o quer assumir. E isto acontece, a meu ver, por três razões: porque houve sexo ocasional, porque é uma responsabilidade que muitos homens não têm coragem de assumir (principalmente entre casais jovens, em que muitos rapazes de 20 anos engravidam raparigas de 15 e depois desaparecem) ou porque aconteceu numa relação extraconjugal. Com a despenalização do aborto, não é a mulher que deixa de sofrer (o aborto ainda aleija, perder um filho pode mesmo ser traumático, ter um aborto no “currículo” pode comprometer seriamente uma relação posterior), mas sim o homem que finalmente pode dizer: “Foi um acidente, miúda. Agora fazes um aborto e isso passa. Adeus e até sempre.” Longa vida à despenalização?